Prof. Francisco Caldeira Cabral O Homem e a Obra, 1908-1992, Município de Gouveia, 2009, Portugal
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Prof. Francisco Caldeira Cabral O Homem e a Obra
1908-1992
Município de Gouveia, 2009
Portugal.
O projeto paisagístico do Prolongamento da Avenida do Mar de Caldeira Cabral 1940-1942
O arquiteto paisagista Francisco Caldeira Cabral (1908-1992), natural da Lisboa, teve uma formação profissional algo complexa e transversal, tendo começado por, após o ensino liceal em Lisboa, frequentar licenciaturas em Química e Engenharia Eletrotécnica, na Alemanha. Regressado por razões de saúde a Lisboa, em 1931, optou por seguir Agronomia, curso que terminou em 1936 e, beneficiando de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, regressou à Alemanha, cursando então na Universidade de Fredrich-Wilhelm, em Berlim, Arquitetura Paisagista, onde se diplomou em 1939 e, logo nesse ano, propôs a montagem de um curso congénere em Lisboa, então no Instituto Superior de Agronomia, que viria a iniciar-se em 1941, como Curso Livre. Caldeira Cabral foi, assim, o pioneiro do ensino da Arquitetura Paisagista em Portugal e uma referência internacional na área. Enquanto estudante em Berlim, já lhe foi encomendado o projeto do Estádio Nacional, no Vale do Jamor, que desenvolveu entre 1939 e 1940, em colaboração com um dos seus professores, Konrad Wisner. Assim e para o Funchal, em 1941, elabora um projeto paisagístico para o Parque de Santa Catarina, com Raul Lino (1879-1974), parceria que no ano seguinte faz também para o arranjo do Largo do Município, a que se seguiu, entre 1941 e 1942, um projeto para o jardim municipal de São Francisco e também para o Largo da Restauração.
A gestão da cidade do Funchal foi entregue a 12 jan. 1935 ao jovem Fernão de Ornelas Gonçalves (1908-1978), que imprime à cidade toda uma outra dinâmica, levando a efeito uma verdadeira revolução urbanística. Com a desativação dos cabrestantes, a relocalização do mercado e da praça de D. Pedro V, cujos serviços passaram para o Mercado dos Lavradores, projeto de 1939 do arquiteto Edmundo Tavares (1892-1983), inaugurado em 1940, tal como do Matadouro Municipal da Ribeira de João Gomes, dos arquitetos António Couto Martins (1887-1970) e Miguel Simões Jacobetty Rosa (1901-1970), inaugurado pouco depois, abria-se a possibilidade de rasgar a Avenida do Mar. O projeto já se equacionara nos finais do século anterior, tendo os irmãos Adriano Augusto Trigo (1862-1926) e Aníbal Augusto Trigo (1865-1944) procedido a trabalhos parcelares, mas condicionados pelas infraestruturas portuárias e outras na frente mar da cidade. O projeto geral foi riscado depois pelo arquiteto Ventura Terra (1866-1919) e somente nesses anos pode avançar, procedendo-se em julho de 1939 à desmontagem do Pilar de Banger (1798), o que provocou larga polémica na comunicação madeirense. O material de apoio que acompanha o projeto de Caldeira Cabral é anterior ao de Ventura Terra, apresentando, por exemplo, ainda o forte Novo de São Pedro, no então Campo Almirante Reis, levantado em 1707 e que perdendo no século XIX a sua articulação com a muralha do Funchal, foi demolido em 1897. Trata-se, assim, de material dos irmãos Trigo, mas anterior a 1897, pois que estes irmãos, entretanto já haviam atualizado essa cartografia, inclusivamente, editada em 1905 (Guia Panorâmico da Madeira, Planta do Funchal e seus arredores) e em 1910 (Roteiro do Funchal, Tipografia Esperança).
O projeto paisagista foi feito sobre a proposta de prolongamento para nascente da Avenida do Mar, do engenheiro João Ribeiro Coutinho de Lima (1903-1978), depois inspetor superior de Obras Públicas e diretor do Porto de Aveiro, assinada a 6 fev. 1940. O projeto do engenheiro foi o que chegou aos nossos dias, com pontuais adaptações, estando previsto o prolongamento para o Campo Almirante Reis, o que não viria a fazer-se dado aumento das instalações da Companhia da Luz Elétrica, que Fernão Ornelas nesses anos conseguiu municipalizar. Numa segunda planta, já não datada, mas por certo pouco posterior, já se prevê logo abaixo daquele edifício uma grande praça, mas que depois, dado o aumento da sede da Companhia da Luz, inclusivamente, objeto de ampliação com projeto de Raul Chorão Ramalho (1914-2002), de 1956, que passou a ser designada como Casa da Luz, teve de ser deslocada para cima da foz das duas ribeiras. A volumetria da Casa da Luz viria a ser equilibrada na margem da Ribeira de Santa Luzia pela Alfândega Nova, projeto depois de João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), de 1956, mas somente terminado em 1962. A praça sobre a foz das ribeiras chegou a ser decorada com a escultura da Paz e Liberdade (Manuela Aranha, 1988), mas vindo a praça a ser rebatizada como da Autonomia, em 1990 recebeu essa escultura, que fora montada em Santa Cruz, junto da cabeceira da pista do aeroporto (Ricardo Velosa, 1987), passando a outra para a praça do final da Rua do Pita, em São Martinho.
O projeto de Caldeira Cabral, com data 3 dez. 1942, não prevê qualquer praça, limitando-se a prever um denso ajardinamento de toda a área, com especial destaque para a faixa sul, sobre a praia do calhau, o que o aumento exponencial do trânsito automóvel nos anos seguintes iria limitar. O antigo jardim infantil contiguo à Casa da Luz, hoje dotado de um silo automóvel, integra-se na antiga Praça Académica e Campo de São Tiago, cujo parque ajardinado se prolonga até à área do Ribeiro da Nora, também conhecido por Ribeiro Seco, curso de água hoje coberto. O projeto de ajardinamento prolonga-se inclusivamente para o espaço do arsenal da firma Blandy, ou Arsenal de São Tiago, depois The Madeira Engineering & Company, Lda., que só dali viria a sair nos finais do séc. XX. Preserva este projeto, no entanto, a antiga muralha militar do Corpo Santo dos finais do séc. XVI, fazendo desaparecer as edificações mais ou menos populares que se lhe haviam encostado, de um lado e de outro, tal como abrindo um amplo largo frente à fortaleza de São Tiago, fazendo assim desaparecer as estruturas das antigas Portas do Mar. Com a saída do Arsenal de São Tiago, já nos inícios deste século e a construção do Hotel Porto Santa Maria naquele espaço, as construções desse lado foram demolidas, criando-se uma promenade, mas construções que do lado do Corpo Santo se mantêm. Francisco Caldeira Cabral foi pai do também arquiteto paisagista Francisco Manuel Caldeira Cabral (1948-) e avô do economista e ministro Manuel de Herédia Caldeira Cabral (1968-), tendo falecido, em Lisboa, a 10 nov. 1992.
Rui Carita
Universidade da Madeira.
Bibliografia: LOPES, Agostinho do Amaral (2008), A Obra de Fernão Ornelas na Presidência da Câmara Municipal do Funchal, 1935-1946, tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 8; PINTO, Mariana Ramos Marques Abranches (2014), O legado escrito de Francisco Caldeira Cabral - Construção do pensamento teórico em arquitectura paisagista. Porto: FArq/ UP; ; VASCONCELOS, Teresa (2008), O Plano Ventura Terra e a Modernização do Funchal (Primeira Metade do século XX), tese de mestrado, Coleção Funchal 500 Anos, n.º 5.